sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Quando o açaí acabou


Descobri o açaí tarde. Por isso, sempre considerei justo, muito justo, pedir uma tigela abundante quando passava por uma casa de sucos qualquer. Saboreava com vontade até o cérebro – e não o estômago – pedir um arrego. Porque congela, né? Às vezes tentava encobrir a vontade repentina comendo outra coisa. Mas nunca dava certo. Por que as casas de suco eram tão longe?

Um dia, talvez depois de tanta prece inconsciente, inauguraram uma casa de açaí na minha rua. Parecia que tinha sido aberta pra mim. Passei a tomar tigelas ou sucos quase diários. “Não sei como não enjoa” – diziam os mais próximos.

Passei longe de enjoar, mas, depois de um tempo, comprava com muito menos frequência, tudo por causa da segurança confortável de que a loja estaria ali quando eu bem entendesse. Passava pela entrada e não entrava, com aquela certeza de que poderia voltar qualquer outro dia, andando apenas alguns passos da porta da minha casa.

Um dia, sem aviso prévio, sem pista nenhuma, a casa de açaí fechou. E só de vê-la fechada, a vontade veio arrombando o estômago.

***

Desde sempre, desde todo o sempre, ela estava ali. Começou com a tentativa de me ajudar num trabalho manual, ainda no Jardim de Infância. Ela veio toda prestativa e eu não quis saber de papo: taquei todas as nossas lantejoulas no chão e afundei a cabeça na mini-carteira escolar.

Mas ela era persistente. Acabou me chamando pra brincar no parquinho – onde ela tinha uma certa tara por band-aids usados, até contrair uma infecção no joelho e levar pito da mãe.

Do parquinho à escola, de lá às aulas de ballet, do ballet ao “ginásio” e depois ao “colegial”. Um milhão de novos amigos, mas era sempre ela.

As descobertas de que tínhamos muito em comum só faziam aumentar. Do gosto pela taça de sorvete da Pinguim à ineficiência para saltar de ponta na piscina do clube ou para entender as explicações sobre genética nas aulas de Biologia. Também tomamos o gosto pela bicicleta, eu montada em uma vermelha e preta, ela numa "Aluminum" roxa que eu, intimamente, queria pra mim. Quando a gente começou a sair à noite, equilibrávamos as perninhas finas em uma Melissa de salto. A minha era transparente, a dela, fumê.

Bolávamos planos mirabolantes para conseguir entender a cabeça dos meninos que, apesar de terem a nossa idade, se mostravam tão mais imaturos. (Pobres de nós, que pensávamos que isso seria só uma breve fase).

Revezávamos a direção do carro quando finalmente tiramos a carta de habilitação e quase todos os sábados fazíamos uma parada no Serv-car. Sim, eles serviam no carro, uma espécie de embrião do drive tru, só que com muito charme do interior. O pedido, sempre igual: um número sete, sem salada e uma coca. Maionese verde extra, por favor. "Se meu pai nos visse comendo essa maionese ensacada a mão, ai meu Deus...". Era assim mesmo. Como irmãs, mesmo que não pensássemos nisso com tanta lucidez.

Quando as circunstâncias nos levaram a mudar de cidade – para a mesma, ainda bem - as coisas só ficaram mais longe fisicamente. Já não nos víamos com tanta frequência, mas fazíamos força para tentar driblar a cidade grande. Aí dividimos novos amigos, ela conheceu um punhado de projetos de jornalistas e eu a questionava sobre o Código Civil. "Mas quando o réu é confesso, já não vai preso e pronto?".

Com o passar dos anos a gente foi se enfiando cada vez mais em nossas vidas individuais. Mas sem deixar de saber como ia a vida da outra. Era só a logística que tentava impedir ou atrasar encontros de bate-papos intermináveis. Mas aquela sensação de que ela estava ali, na mesma cidade, de uma certa forma dava segurança. E estava tudo bem. A gente não se via mais, mas sabia que se precisasse mesmo, era só atravessar dois ou três bairros.

Mas um dia ela teve que fazer as malas. Já não seriam três bairros. Aquela sensação de segurança de que ela estava sempre por ali de repente cambaleou. E a saudade ficou mais intensa mesmo antes dela ir embora!

***

Eu não sei bem como é que fui associar vontade de açaí com saudade da amiga. Só sei que os dois sentimentos são igualmente fortes. E ficaram mais latentes quando percebi que as duas coisas foram pra mais longe. Fiquei pensando porque será que é assim. E a resposta foi ela quem me deu: "não consigo dizer se a saudade é totalmente boa. Mas se sentimos isso é porque conseguimos construir um sentimento forte de verdade!".

Ela sempre tem as respostas.

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